
Da pedra ao pó
Na Ilha de Páscoa, também chamada de Rapa Nui, há um silêncio pesado no ar. Não é só o vento cortando as encostas ou o mar batendo contra as pedras. É o som de uma herança milenar se desfazendo aos poucos, como se cada grão arrancado pelas chuvas levasse consigo um pedaço da memória de um povo inteiro. A ilha remota no Oceano Pacífico administrada pelo Chile. A ilha está situada a cerca de 3.700 km da costa do Chile, no triângulo polinésio, e é famosa por suas paisagens vulcânicas e, principalmente, por seus moais, esculturas de pedra que representam ancestrais.
Os moais, aquelas figuras colossais com semblantes fechados, parecem eternos. Mas basta chegar perto para ver: estão se esfarelando. Feitos de tufo vulcânico, uma rocha porosa e frágil, eles vêm sendo desgastados pela maresia, pela chuva, pelos líquens, pelos animais… até por turistas desavisados. E mais recentemente, pelo fogo.
“Um dia os moais vão voltar pro oceano”, disse o pai de Maria Tuki, escultor de moais e guardião da tradição. Essa frase ecoa com força em 2025, quando especialistas da organização Ma’u Henua correm contra o tempo pra salvar cinco estátuas queimadas nos incêndios de 2022.
O que está em jogo aqui não é só a aparência das estátuas. É o que elas representam: os ancestrais de um povo que chegou à ilha em canoas, vindos da Polinésia, e que acreditava que seus mortos continuavam protegendo os vivos através dessas esculturas.
Hoje, as ferramentas são outras. Drones, scanners 3D, soluções químicas vindas da Itália. Tudo em busca de frear o avanço da erosão. Mas nada disso é simples. Os altos custos e a burocracia, cada intervenção exige permissão, travam parte dos esforços. E só há verba pra tratar cinco estátuas. Das cerca de mil espalhadas pela ilha.
Manter ou deixar partir?
Entre os moradores da ilha, há um dilema. Alguns acreditam que os moais deveriam ser realocados pra museus, onde estariam seguros. Outros dizem que levá-los pra longe da terra onde foram erguidos seria profanar a própria essência dessas figuras.
Tem gente que defende até que se deixem os moais desaparecerem. Que a morte deles faz parte do ciclo natural da vida. Como disse o arqueólogo Dale Simpson Jr., “podemos enxergar como destruição, mas é só o fim de um ciclo”.
Um debate entre o passado e o presente
O arqueólogo Claudio Cristino-Ferrando discorda. Ele vive na ilha e é categórico: “Assistir passivamente à destruição dos moais é inadmissível”. Para ele, preservar essas estátuas é preservar a identidade de um povo e a história de toda a humanidade.
Não se trata apenas de turismo, embora os moais atraiam mais de 100 mil visitantes por ano. Trata-se de dignidade cultural. De respeito aos antepassados. De manter viva uma arte que moldou gerações , e que hoje está nas mãos de poucos artesãos, como o marido de Tuki, que continua esculpindo moais como o pai dela fazia.
A esperança está em projetos que unem tradição e tecnologia, preservação e criação. O objetivo é que o conhecimento ancestral seja passado adiante, e que os moais, originais ou novos, continuem em pé, firmes, resistindo ao tempo.
Mas, por enquanto, a verdade é dura: cada dia de chuva, cada rajada de vento, cada descuido pesa. E os moais seguem ali, em silêncio, enfrentando sozinhos um destino que talvez já esteja escrito, mas que ainda pode ser reescrito.